O acesso à gestação de substituição por casais estrangeiros

Desde Agosto de 2017 que Portugal é um dos (poucos) países europeus em que é permitido o recurso à gestação de substituição, de forma altruísta, e em circunstâncias excepcionais, como é o caso da ausência de útero.

Ao contrário de alguns países, em que a lei não permite o acesso à gestação de substituição por estrangeiros ou não residentes, a lei portuguesa não estabelece qualquer proibição nesse sentido. Apesar de essa omissão ser suficiente para legitimar o acesso, em Portugal, à maternidade de substituição por estrangeiros, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (“CNPMA”) logo veio também esclarecer que tal era efectivamente possível. De facto, tanto no modelo de requerimento que é necessário submeter junto do CNPMA para dar início ao processo de autorização para celebrar um contrato de gestação de substituição, como no modelo do próprio contrato disponibilizado pelo CNPMA, fica expresso que não há restrições quanto à nacionalidade dos requerentes. Face ao exposto, podemos concluir que, casais estrangeiros podem dar início a um processo de gestação de substituição em Portugal (cumprindo para o efeito as regras e procedimentos aplicáveis), sendo que, também a gestante poderá ser estrangeira.

Por outro lado, também nenhuma das partes envolvidas no processo tem de ter habitação permanente em Portugal, devendo apenas ser indicado uma residência para efeitos de contactos. No entanto, nos termos do modelo do contrato de gestação de substituição, as partes comprometem-se a realizar em Portugal todos os actos de execução do contrato. Ora, isto significa que, para além dos procedimentos obrigatórios previstos na lei para a autorização ser concedida pelo CNMPA (exames médicos, entrevistas e reuniões de avaliação com o CNPMA) as técnicas de procriação medicamente assistida necessárias para a gravidez devem ser realizadas em Portugal, as consultas e acompanhamento na gravidez e o parto também.

Ora, e ainda que tal seja legalmente possível, antes de tomar a decisão de iniciar em Portugal um processo de gestação de substituição, há um aspecto muito relevante que deverá ser devidamente ponderado e avaliado pelos casais estrangeiros. Com efeito, é necessário conhecer (muito) bem o enquadramento jurídico da gestação de substituição nos países de origem do casal beneficiário. É que, ainda que o processo seja legal em Portugal, se no país de origem a figura da gestação de substituição não for permitida, ou ainda que o seja de forma limitada, poderá não ser possível a atribuição de nacionalidade à criança, e mais grave ainda, o estabelecimento da filiação da criança pelo casal beneficiário poderá não ocorrer. Existem países em que a gestação de substituição é expressamente proibida e os filhos são sempre reconhecidos como filhos da gestante. Nesses casos, o casal beneficiário pode não conseguir perfilhar a criança que nasceu fruto de uma gestação de substituição. No caso de Portugal, parece-nos que será um destino para os casais provenientes de países em que a gestação de substituição é proibida. Ora, nessas situações, de forma a evitar este tipo de problemas, quer de nacionalidade, quer, sobretudo, de perfilhação e guarda das crianças, os casais estrangeiros devem conhecer muito bem a lei aplicável no seu país e a forma como os tribunais nacionais têm decidido em casos semelhantes. Só assim se encontrarão protegidos os interesses dos intervenientes neste processo, pais, gestantes e, principalmente, das crianças.