PODEMOS CONTRIBUIR PARA MINORAR AS REPERCUSSÕES DA INFERTILIDADE? – ARTIGO DE OPINIÃO, PROF. CALHAZ JORGE

Podemos contribuir para minorar as repercussões da infertilidade?

As situações de infertilidade, com as características que acabam por tornar único cada caso concreto, têm em comum o componente de sofrimento e angústia que sempre as acompanha. Seria bom que pudéssemos contribuir para minorar tais sentimentos dolorosos. Porque sei que os potenciais leitores vivem ou viveram esta realidade psicológica, optei por, nesta oportunidade que agradeço à Direcção da APFertilidade, partilhar um conjunto de reflexões sobre o que poderia ser útil nesta área.

1. Na juventude:

É muito importante que, através de um reforço da educação para a saúde, seja criada uma consciencialização de que:

    a. As doenças de transmissão sexual podem levar a infecções nas trompas (canais que ligam o útero aos ovários), o que pode ter como consequência a obstrução das trompas ou alterações na sua capacidade funcional, com consequente dificuldade ou impossibilidade de conseguir uma gravidez sem intervenção médica anos mais tarde;

    b. A obesidade, o excesso de peso ou a magreza excessiva podem associar-se a alterações do equilíbrio hormonal, de que resultam perturbações na ovulação ou mesmo a sua ausência. Além de potenciais riscos acrescidos de doenças ao longo de uma eventual gravidez (por exemplo, diabetes gestacional, hipertensão induzida pela gravidez);

    c. O tabagismo pode associar-se a alterações na qualidade das células reprodutivas, quer no sexo feminino quer no masculino.

Como consequência seria desejável que:

  • os jovens integrassem nas suas atitudes os conceitos de que, também para a sua saúde reprodutiva futura, é desejável que o padrão alimentar seja equilibrado, sem dietas restritivas exageradas ou, pelo contrário, semingestão excessiva de doces/alimentos açucarados e gorduras, que os hábitos tabágicos sejam muito pouco acentuados ou inexistentes, e

  • o uso de preservativo (masculino ou feminino) seja sistemático, mesmo que esteja ser utilizado simultaneamente outro método contraceptivo mais eficaz (pílula, por exemplo). Claro que cada situação e cada relação são únicas, mas o uso do preservativo não deve ser entendido como falta de confiança no/a parceiro/a (antes como uma segurança também para ele/ela).

2. Na idade adulta, antes de se desejar ter um filho:

Além de ter presentes as considerações anteriores, algumas notas mais se justificam:

    a. Há, na nossa espécie, uma redução normal na eficácia reprodutiva à medida que aumentam os anos da mulher. Essa circunstância torna-se mais visível depois dos 35 anos mas sobretudo quando se atingem os 40 anos. Este facto, que resulta, essencialmente, de alterações na intimidade das células reprodutoras femininas (que existem já nos ovários das meninas no momento do parto), não deve ser fonte de angústia mas será bom que seja considerado na organização dos projectos de vida quando se planeia ter filhos.

    b. As técnicas terapêuticas, mesmo as mais sofisticadas, não devem ser “endeusadas”. São maravilhosas e espectaculares armas técnico-científicas mas não asseguram que resultem sempre em parto. Infelizmente, confrontam-se sempre com as características das células reprodutoras usadas no processo. Por vezes as probabilidades de sucesso poderão melhorar com o recurso a células de dador/a, mas essa opção não é, compreensivelmente, aceitável para todos os potenciais beneficiários;

    c. A dádiva de espermatozóides e ovócitos é uma manifestação de solidariedade para com os casais ou mulheres sem parceiro que necessitem de recorrer a essas alternativas para a realização do seu projecto de vida. Existem centros públicos e privados onde poderão ser concretizadas as dádivas, depois de executados alguns estudos de escrutínio de doenças que, obviamente, se pretende evitar que sejam transmitidos à descendência dos receptores.

3. Quando se deseja ter um filho:

    a. Ter em consideração que a probabilidade de ocorrer uma gravidez em cada ciclo menstrual, na nossa espécie, não ultrapassa os 20-25%. Ao fim de 1 ano, um pouco menos de 90% dos casais terão conseguido a gravidez a que aspiram. Esta taxa resulta do facto de, em situações de normalidade do funcionamento dos ovários, ocorrer (apenas) uma ovulação em cada ciclo. Não há pois que entrar em ansiedade excessiva antes de ter havido um número razoável de oportunidades de espermatozóides e ovócito se encontrarem;

    b. Em contraponto com o que é dito no ponto anterior, é aconselhável que um casal que não consegue uma gravidez ao fim de 1 ano não adie por muito tempo o recurso a apoio médico especializado, que poderá esclarecer (e eventualmente, corrigir) alguma razão para a infertilidade. Este tempo deverá ser menor se tratar de senhora com mais de 35 anos, se houver história de infecções ou de cirurgias da pelve, se exames anteriores mostraram alterações importantes e/ou se os ciclos menstruais têm sistematicamente durações superiores a 40 dias ou inferiores a 21 dias;

    c. Não deixar de valorizar que, em muitos casos de infertilidade de curta duração, há alternativas terapêuticas antes de se colocar a indicação para o recurso a técnicas laboratoriais de elevada complexidade.


Carlos Calhaz Jorge
Responsável pela Unidade de Medicina da Reprodução e Centro de PMA
Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria