ARTIGO:

Conhecer o Cancro nos animais

Conhecer o Cancro nos Animais
Por Ricardo Ribas - Médico Veterinário, Doutorado em ciências veterinárias e Investigador na área da oncologia em Londres


O cancro é um grupo de patologias caracterizado pela multiplicação anormal e descontrolada das células. Em condições normais, as células crescem e dividem-se de uma forma controlada e organizada produzindo novas células saudáveis e permitindo o crescimento e a regeneração dos organismos.

No entanto, ocasionalmente as células sofrem alterações tornando-as anormais e com propriedades cancerígenas. Na maioria dos casos, os organismos possuem mecanismos capazes de destruir e controlar a reprodução dessas células, mas em algumas circunstâncias essas defesas falham permitindo a sua multiplicação e levando à formação de massas tumorais. As células cancerígenas têm ainda a capacidade de se separar do tumor e de se espalhar por outras partes do corpo viajando através do sangue ou do sistema linfático e dando origem a metástases.

O cancro não é exclusivo do homem. Também os animais são afetados por esta doença e em algumas espécies com taxas de incidência semelhantes às do homem. No caso dos cães e dos gatos, o cancro afeta aproximadamente 1 em cada 4 animais sendo a segunda maior causa de morte. Embora recentemente a prevalência da doença tenha vindo a aumentar devido ao aumento da esperança de vida, o cancro é uma doença muita antiga sabendo-se que já afetava os dinossauros há milhões de anos.

Assim como no homem, as células mais velhas são normalmente as mais propensas para sofrer alterações e se tornarem cancerígenas, razão pela qual a incidência da doença tende a aumentar com a idade. No caso dos cães e dos gatos, o cancro é responsável por cerca de 50% das mortes em animais com idades superiores a dez anos. No entanto, outros fatores podem aumentar o risco de contrair a doença. Por exemplo, à semelhança do homem, animais que vivem com donos fumadorespossuem um maior risco de desenvolver certos tipos de cancros nasais, orais, pulmonares e linfomas, da mesma maneira que aexcessiva exposição solar aumenta o risco de cancro de pele. Para além disso, a exposição a certos agentes químicos e radiações, algumas infeções virais, assim como uma alimentação incorreta e uma vida sedentária aumentam a predisposição para a doença.

Mas não são unicamente os fatores ambientais os responsáveis pelo cancro. Tal como nos humanos, a genética tem um papel de grande importância, razão pela qual diferentes espécies ou raças de animais tem diferentes predisposições para certos tipos de cancro. Por exemplo, sabe-se que os demónios da Tasmânia são os únicos animais afetados por um tipo de tumor facial que é transmissível através de contacto físico. Por outro lado, os elefantes apresentam uma incidência de cancro muito inferior aos humanos embora possuam um número muito mais elevado de células. Hoje em dia sabe-se que isto é devido a possuírem várias cópias de um gene responsável por combater o cancro. Também as baleias da Gronelândia possuem certos mecanismos genéticos para prevenir o aparecimento de cancro. Contudo, uma das espécies mais interessante é o rato-toupeira-nu. Embora tenha uma longevidade muito maior do que os outros roedores (por vezes sobrevivendo trinta anos), os ratos-toupeira-nus são imunes ao cancro. Cientistas descobriram que isso se deve ao facto das suas células produzirem uma proteína denominada de ácido hialurónico, mas de tamanho muito maior do que a versão produzida por outras espécies e pelo homem, impedindo assim a agregação das células umas às outras e dificultando a formação de tumores.

Tanto nos cães como nos gatos, o linfoma é a forma mais comum de cancro. Este é um tipo de cancro do sangue que afeta os linfócitos (um tipo de células brancas do sangue) e os gânglios linfáticos. Nos cães, o linfoma tem uma causa genética afetando predominantemente certas raças como: Boxer, Basset Hound, Pastor Alemão, Caniche, Bulldog, Rottweiler, São Bernardo e Beagle, no entanto, o Labrador é a raça mais suscetível afetando 1 em cada 8 animais. Contrariamente, nos gatos, o linfoma é normalmente associado à infeção por certos vírus o que aumenta mais de 60 vezes o risco de desenvolver a doença. Em ambos os animais os sintomas podem ser variados de acordo com os órgãos afetados podendo incluir inchaço dos gânglios linfáticos, vómitos, diarreia, perda de apetite, emagrecimento, letargia assim como aumento de sede e micção. Recentemente, um grupo de cientistas descobriu um tipo de linfoma nas amêijoas afetando as células que vivem na hemolinfa (fluido equivalente ao sangue dos mamíferos) e causando a morte destes moluscos.

O cancro de pele é também frequente em cães e gatos. Embora possa atingir qualquer parte do corpo é mais frequentemente encontrado em zonas ao redor dos olhos, orelhas, nariz e boca assim como em zonas com pouco pelo. A principal causa da doença é, à semelhança dos humanos, a exposição exagerada ao sol afetando principalmente os animais de pele clara e sem pelo. O animal apresenta inicialmente uma irritação na pele que progride para crostas, perca de pelo, dificuldade em cicatrização e inchaços avermelhados na pele. Em estados mais avançados, pode levar ao desenvolvimento de úlceras com sangramento, à destruição dos tecidos e ossos vizinhos e à metastização para os gânglios linfáticos e pulmões podendo culminar na morte do animal. Mas não são só os mamíferos que sofrem de cancro de pele. Recentemente, cientistas observaram a presença de melanomas numa população de trutas coral que habitam na grande barreira ao largo da costa australiana. Isto é devido à presença de um grande buraco na camada de ozono levando ao aumento da exposição destes peixes a altos níveis de radiação ultravioleta.

Outro tipo de cancro que afeta frequentemente os animais de estimação é o cancro da mama. Este tipo de cancro afeta predominantemente fêmeas idosas que não tenham sido castradas. Em particular, gatas siamesas apresentam um risco elevado. É importante que o dono esteja atento para sinais de cancro da mama como a presença de nódulos duros ao redor dos mamilos, ulceração da pele e a presença de mamilos inchados ou inflamados. O médico veterinário pode confirmar o diagnóstico fazendo um exame de biopsia.

Embora com menor frequência, muitos outros tipos de cancro podem afetar os animais de companhia. Cancros nos ossos são relativamente comuns em cães de raças de grande porte, e por vezes a amputação é o único tratamento adequado. Também cancros localizados nos pulmões, na tiroide e no fígado são relativamente comuns em animais idosos, contudo, qualquer órgão pode ser afetado levando a uma sintomatologia muito variada.

As boas notícias são que devido aos grandes esforços e desenvolvimentos científicos dos últimos anos, aproximadamente metade de todos os cancros diagnosticados nos animais de estimação são curáveis se forem identificados a tempo. Assim sendo, a consciencialização dos donos para este grupo de patologias é essencial para permitir uma deteção precoce e o tratamento adequado de forma a prevenir a progressão e metastização da doença.

O incentivo à investigação científica é de primordial importância para continuar a proporcionar um melhor conhecimento de estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento do cancro em humanos e animais. Possivelmente, um melhor conhecimento dos mecanismos de defesa usados pelos elefantes, pelas baleias da Gronelândia ou pelos ratos-toupeira-nus, nos permita desenvolver novas estratégias de combate à doença para que no futuro nenhum humano ou animal morra de cancro.

Saiba mais em: www.maratonadasaude.pt

< Voltar