Os Nossos Testemunhos

Doenças Raras em Tempos de Pandemia

Abílio Reis, MD, PhD

Coordenador da Unidade de Doença Vascular Pulmonar no CHUP


Impacto da pandemia COVID-19 num Centro de Referência para a Hipertensão Arterial Pulmonar

O doente com hipertensão arterial pulmonar (HAP) tem uma reserva cardiopulmonar limitada, estando, por isso, mais suscetível a agravamento do seu estado de saúde aquando de qualquer outro evento de doença, nomeadamente infecioso, como é o caso da infeção por SARS-CoV-2. Não há, contudo, evidência científica de que a HAP constitua um risco acrescido para a aquisição desta infeção.

A gestão clínica do doente com HAP, tal como em qualquer doença rara, deve ser feita em Centros de Referência, por equipas multidisciplinares e multiprofissionais experientes capazes de se organizarem para prestar os cuidados necessários a cada momento de forma presencial ou por telemedicina. No nosso Centro foi organizado um plano de contingência, ajustável conforme a evolução da pandemia e que se baseou nos seguintes princípios: 1) Minimizar o risco de contágio, evitando a vinda do doente ao hospital, fazendo consultas não presenciais por via telefónica ou por videochamada; 2) Nesses contactos, habitualmente mensais, além da avaliação da doença de base, foi prestada informação acerca da COVID-19 – medidas de prevenção, sinais de alerta e indicações para contacto precoce da equipa de saúde em caso de suspeita de infeção; 3) Disponibilização da medicação específica para a HAP no domicílio do doente; 4) Abertura permanente para o contacto direto não presencial do doente em caso de qualquer dúvida; 5) No caso de novos doentes ou já conhecidos agravados, necessitando de internamento hospitalar, utilização dos circuitos não-COVID-19 estabelecidos precocemente no nosso Hospital.

Com esta estratégia, iniciada em Fevereiro de 2020, não tivemos nenhum doente infetado pelo SARS-CoV-2, um doente foi internado e compensado do agravamento por progressão da sua doença de base e recebemos, em regime de internamento ou hospital de dia, 11 novos doentes a quem foi estabelecido o diagnóstico de HAP e iniciado o tratamento adequado à gravidade da sua doença. Além disso, não houve qualquer alteração na resposta aos referenciadores.

A experiência vivenciada, até à data, permite-nos concluir que em instituições e centros bem organizados, com equipas de saúde bem treinadas e inspiradoras da confiança dos utilizadores é possível adaptar, em situações especiais, as formas de gestão clínica sem perdas de eficiência para o sistema de saúde.

Cláudio André Dantas da Cruz, 26 anos

Doença de Maroteaux Lamy (MPS VI)


Em relação aos desafios desta pandemia penso que serão semelhantes à maioria das pessoas, mas sobretudo tive que pôr a minha vida de estudante e a formação profissional em “stand by” porque a saúde é prioritária quando comparada com os meus objetivos de estudante, que tive que adiar, mas se tiver saúde poderei concretizar no futuro.

A nível de assistência médica houve muitas mudanças neste período pois muitas consultas e exames foram suspensos devido ao risco de apanhar COVID-19 no hospital. O mais difícil foi ter sido interrompido o meu tratamento semanal (que me dá alguma qualidade de vida) durante algum tempo, o que agravou o meu estado geral de saúde, sentia mais dores, não conseguia dormir durante a noite e tinha muito mais cansaço.

Felizmente já reiniciei o tratamento, já me sinto melhor, e a pouco e pouco, os restantes serviços do hospital, bem como consultas e exames e acompanhamento também irão regressar à normalidade. A COVID-19 pode trazer graves consequências para a saúde de indivíduos com MPS VI e isto preocupa-me bastante, assim como o isolamento social, que dificulta ainda mais a nossa socialização com outras pessoas.

Apesar destas preocupações, que são comuns à maioria da população, gostaria de apelar para que tenham cuidado e se protejam porque a nossa situação é mais complicada devido à doença rara que tem características muito especificas e geralmente vem acompanhada de baixa imunidade. Tenho esperança iremos ultrapassar esta fase e que a ciência vai encontrar uma solução para um futuro melhor.

Ana Paula, 29 anos e Yolanda Santos, 32 anos

Doença de Pompe

Pedro Lacerda Leitão, 44 anos

Cistinose


Nasci em Portugal, mas cedo fui para França devido à Cistinose, uma doença rara na altura ainda desconhecida no nosso país. Atualmente vivo em Roterdão, mas já tive o privilégio de viver em países como a Irlanda, Suíça, entre outros.

Apesar da pandemia poder complicar ainda mais o acesso à terapêutica, gerando alguma ansiedade e incerteza, tenho conseguido obter todos os tratamentos via Portugal, graças às respetivas entidades envolvidas. O principal acesso ao medicamento é uma dificuldade nesta altura, no entanto o principal obstáculo que tenho encontrado na Holanda, devido à Covid-19, tem sido na procura de trabalho pelo medo e receio de arriscar e ficar infetado via transportes públicos. Ainda assim e, por este motivo, procurei adaptar-me e estou neste momento a tentar criar o meu próprio negócio para poder trabalhar de casa.

A Holanda é um país que não tomou medidas rigorosas face à pandemia e, após um confinamento absoluto de perto de 3 meses (nem eu nem a minha mulher saímos de casa), o nosso dia-a-dia não tem sido fácil porque raramente saio de casa e quando o faço (uma vez por semana) nunca entro em espaços fechados. Outra situação delicada de gerir, deve-se ao uso de máscara ser desaconselhado na Holanda, nomeadamente no hospital quando vou à consulta. Chego por isso a ser “olhado de lado” ao usá-la e perguntam-me porque tenho uma. A utilização da máscara é apenas aconselhada a pessoas com sintomas e como tal, quem a usa “afasta” de certa forma os outros. Outro obstáculo que tive foi o cancelamento da minha viagem a Portugal para ver a família e ir à minha visita médica de rotina. Esta viagem ficará pendente até sentir que não estou a colocar em risco a minha saúde uma vez que tenho um sistema imunitário fraco.

O meu principal conselho nesta situação é seguirmos o que achamos correto para nós e para aqueles com quem vivemos, no meu caso a minha mulher. Nunca fui pessoa de me queixar da minha doença e acredito sempre que melhores dias virão.

M, 45 anos

Cistinose


No ano passado aceitei um convite para trabalhar na Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, a atual Região Administrativa de Macau da República Popular da China. Macau ou “Amacau” passou a denominar-se “Cidade do (Santo) Nome de Deus de Macau“ no ano de 1583, ou seja há 437 anos. Após esta curiosidade histórica, começo por referir que a aceitação do desafio para trabalhar em Macau suscitou algumas preocupações relacionadas com o a circunstância de ter de tomar medicação crónica, prescrita para o tratamento da Cistinose, doença rara de que padeço.

Embora tenha trazido de Lisboa a medicação para o tratamento da doença, passados alguns meses apercebi-me que poderia vir a ficar sem medicação em Macau, num contexto de forte limitação de voos e de movimentação de pessoas e bens devido ao surgimento da pandemia global associada à COVID-19. Verifiquei que o transporte da medicação apenas era possível através de uma empresa farmacêutica que oferecesse garantias de fiabilidade e qualidade. Depois de passar por alguns períodos de angústia e inquietação, o problema resolveu-se graças à preciosa ajuda da empresa “Recordati Rare Diseases” que foi incansável na ajuda que me prestou, não podendo deixar de registar, ainda que simbolicamente, este público e sentido agradecimento.

Vitor Afonso, 54 anos

Paramiloidose


Sou uma pessoa ativa, não gosto de estar parado. A pandemia de COVID-19 teve um grande impacto no meu dia a dia e na gestão da minha doença, a Paramiloidose. Por exemplo eu faço fisioterapia 3 vezes por semana e durante a pandemia tive que parar com as sessões, o que originou uma perda de massa muscular, e isso afetou muito o meu bem-estar. Esta pandemia também me assusta mais do que outras doenças. Durante estes meses houve um grande afastamento da família, com receio de me visitar e expor a um possível contágio. Inclusivamente, por motivos de trabalho fiquei sem o apoio da minha mulher - a minha cuidadora - durante vários dias. Ela trabalha num dos lares que teve um surto de COVID-19 e não pode vir a casa durante muitos dias. Foi um problema que tive que enfrentar e ultrapassar sozinho, por falta de apoio das autoridades.

Fernando Ferraz, 57 anos

Acromegalia


A acromegalia é uma doença endócrina que resulta da produção excessiva de hormona de crescimento, na grande maioria dos casos, devido a um adenoma (tumor benigno) da hipófise. Em 2018, Fernando Ferraz foi operado pela equipa do Prof. Davide Carvalho para remover precisamente um adenoma da hipófise. Desde então a sua rotina inclui a toma de medicação e consultas regulares, o que implica a sua deslocação mensal ao departamento de endocrinologia do Hospital de São João no Porto.

Tal como a maioria da população, no inicio da pandemia de COVID-19 Fernando Ferraz ficou um pouco assustado com o impacto que esta calamidade de saúde pública pudesse vir a ter na sua vida e da sua família. No entanto, muito devido ao esforço das equipas do Hospital de São João que se traduziu em estruturar um circuito seguro para atender os seus doentes, Fernando Ferraz não sentiu necessidade de alterar a sua rotina e manteve as suas deslocações mensais ao departamento de endocrinologia para receber a medicação injetável.

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